26 janeiro 2012

A dissolução da representação


"The Market of Our Democracy" , 1999 de Ilya Glazunov

Um  dos aspectos que se tem vindo a generalizar com o amadurecimento da nossa democracia é um afastamento dos cidadãos nos diversos sufrágios eleitorais. A explicação mais adequada a este fenómeno é a desigualdade democrática que contém a nossa democracia representativa. A proposta analítica que pretendo desenvolver aqui é explicitar como a representatividade é diluída no percurso da decisão. Este aspecto é demais importante na democracia, pois na decisão é que realmente os rumos governamentais são legitimados. E que fique bem claro, o cidadão não decide, mas sim, vota colectivamente em alguém que irá decidir por ele. Excepção feita a quando de um referendo, em que  a democracia directa é posta ao dispor do universo populacional, com a condição de ter uma participação maior de cinquenta porcento, se esta condição não for preenchida caberá novamente ao parlamento decidir por nós.

Enquandro-me para a lógica na democracia parlamentar actual. O primeiro factor  da dissolução da representação deve-se à partidarização politica, que retira o poder de decisão do cidadão, em detrimento de uma ideologia praticada por um partido politico. Em consequência, o poder de decisão fica restrito ao conjunto de valores praticados pelos partidos políticos legitimamente eleitos, com acesso ao parlamento. O cidadão começa a perder os seus direitos sempre que, os seus mandatários não decidem em conformidade com os seus próprios valores. Disto resulta um distanciamento moral entre os valores pessoais de cada cidadão e os valores partidários. A ideia de igualdade de direitos, que uma teórica democracia deveria conservar, torna-se incongruente com a necessidade que o cidadão tem de se adaptar a um determinado conjunto de valores políticos, que são a razão na hora da decisão.

O segundo factor deve-se à falta de pluralidade de opiniões dentro de cada facção partidária, essa opinião é conjunta e formulada à priori, estando a decisão afunilada de acordo com as directivas gerais do partido. Existe neste caso um distanciamento com o espírito da regra de representatividade, sendo que os deputados representantes de uma certa percentagem do universo populacional, não podem ter uma decisão independente, coerente com a sua nomeação.

Para a resolução da dispersão do poder decisivo, entre a base populacional e a decisão em si, existe um mecanismo hipotético praticável, que será a pluralidade partidária. Esta, num limite ideal incorre na formação de um partido para cada conjunto de valores existentes determinantes da razão do poder de decisão. Isto permite oferecer uma proximidade com o decisor. No entanto é um mecanismo impraticável, devido ao facto de o número de partidos formados ser muito próximo do número de indivíduos total da população. Para tornar a hipótese realista tem de se criar um distanciamento do conjunto de valores de cada membro da população, para criar um limite de variações partidárias. Este principio democrático adaptou-se à realidade contemporânea e por motivos sócio-económicos a pluralidade partidária é muito reduzida. Motivos sócio-económicos estes, que se prendem com a partidarização dos meios de comunicação, e incapacidade financeira de um partido menor ter acesso a propaganda de qualidade e exposição suficiente para informar os cidadãos dos seus valores.

Os limites da nossa democracia estão por consequência no falhanço da pluralidade partidária, entregues aos valores gerais da politica moderna que se concentram em partidos políticos cada vez mais vagos na sua ideologia, que agora é  aberta, de forma a poder aglomerar o maior número de cidadãos para efeitos de sufrágio universal. Inverte-se deste modo, o espírito da igualdade de direitos da população em favor do líder partidário eleito por maioria, ou no caso de não a ter atingido a maioria absoluta, por todos os lideres que conjuntamente tenham acesso ao poder de decisão.

A distancia que existe entre o poder civil e o poder partidário origina uma forma de perpetuar o poder de decisão nas pessoas dominantes do poder instalado. A classe politica, acaba mais tarde ou mais cedo por se organizar, e as elites por se apoderar da decisão. O Terceiro factor para a falta de representatividade aos cargos serem maioritariamente formados por nomeações. A influência de laços de afinidade fica desta forma sobrevalorizada. Assim existe também aqui uma dispersão do poder de decisão sempre que os laços de afinidade provoquem decisões erradas, justificadas pela incompetência técnico-valorativa da pessoa nomeada, para o cargo em causa.

Para a resolução do problema da governação, centrada nos políticos e elites capazes de os influenciar, o comum cidadão é simplesmente impotente. A distancia é tão grande que apenas o grupo minoritário tem essa capacidade de mudar a orgânica do sistema. Excepção aos casos pontuais de referendos que permitem directamente a população decidir sobre os assuntos de estado. Pena que sejam os políticos a decidir o que a população tem direito a aprovar.

Deveria mudar-se o caminho da politica para novas direcções, em que o cidadão tivesse a oportunidade de escolher a lei que irá a referendo ser aprovada, e desta forma despartidarizar o acto da votação. No entanto a democracia encontra-se num estado de imobilização generalizada no que toca a fornecer reais poderes à população. O que contraria a evolução democrática, que deveria ir de encontro com a igualdade de direitos, logo a uma decisão por maioria. Isto deve-se também à classe politica deter neste momento uma redundância cíclica em termos de renovação de poder, o que distancia esta classe cada vez mais tecnocrata na decisão, das necessidades e direitos dos cidadãos.

O sistema partidário encontra-se então em declínio. E isso está cada vez mais consciente nos cidadãos, isso leva a um desinteresse generalizado na máquina politica e acentua-se o nível de abstenção. As pessoas encontram-se de tal forma maniatadas  que nem sequer se sente um espírito de mudança emergente nas classes mais jovens. Desta forma a democracia perde a sua mais preciosa qualidade, que consiste em toda a população ter o direito e dever de contribuir para a decisão. Num sistema que aparenta possuir tantos defeitos, detém no entanto uma característica que se mostrará vital para o seu desenvolvimento, e que os senhores do poder já não conseguirão recuperar, que é o poder da população poder através de um movimento cívico alterar a orgânica do estado. O único atrito para esta emancipação democrática é a classe politica que actualmente é quem retira os direitos  à população.  Mas ao contrario do que acontecia no passado, que para se alterar o sistema politico era preciso utilizar a força contra a força vigente, actualmente já se torna essa tarefa mais fácil e executável de uma forma civilizada. Basta a população apoiar alguém que lhe dê mais direitos. O passo que falta é encontrar um líder, por sufrágio universal levá-lo ao poder e este último aproximar o poder de decisão da população.

Pode-se duvidar da capacidade e maturidade da população para decidir, mas o nosso sistema governamental não se encontra tão maduro de forma a podermos dizer que ele permite a melhor decisão para cada situação. Logo um argumento desta natureza utilizado para invalidar essa aproximação é discriminatório. Além disso, este desinteresse e manietação está cada vez mais a afastar as pessoas dos ideais de liberdade e sente-se hoje em dia os grupos de influência moral a infligirem muito mais facilmente valores discriminatórios na população, tal Nero fazia com os seus festins para encobrir a sua tirania. Esta facilidade de manipulação só irá acabar quando for saboreada por a população, a liberdade de uma forma mais próxima. Esta já detentora da liberdade não mais irá permitir uma manipulação que inferiorize a condição humana a este nível. Enquanto esta emancipação não é formalizada, estamos então entregues à manipulação politica, que embora se tenha de ser crente em relação à hombridade dos nossos chefes políticos, a atitude cada vez mais tecnocrática tem evoluído por parte destes, para poderem ter uma posição mais distante da moral e melhor poderem decidir sobre os assuntos com neutralidade. Mesmo inconscientemente a manipulação e a propaganda tem de ser instrumentalizada para dominar os valores sociais criando um efeito perverso, e acentua-se a invalidez da população para tomar decisões com uma atitude reflexiva. É de facto muito nefasto as campanhas partidárias baseadas nos meios audiovisuais e utilização da imagem e retórica. Perversamente o nosso sistema "pólis"tico está a esterilizar o espírito de construção moral através da autocrítica do individuo.  

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